terça-feira, 14 de junho de 2011

O brilho das maçanetas douradas dos portais do inferno


Odiava limpar o banheiro como odiava tantas coisas que fazia mesmo após um bom tempo postergando. Não era o esforço da tarefa que lhe trazia o desagrado. Talvez um pouco, na medida que a bela execução dependia do uso de um o outro produto de limpeza que acentuava o desconforto alérgico residente em sua garganta. Tirar tudo de dentro do aposento, jogar água na paredes, esfregar os vãos entre os azulejos, limpar as louças, o espelho, a cortina. Fazia tudo isso com um senso de eficiência urgente. Implicava a tarefa determinação, presteza, dignidade que não conseguia enxertar em atividades mais urgentes, até mesmo, vitais. E as razões ainda lhe pareciam distintas. O fascínio pela desorganização nunca fora uma virtude. Mas mesmo assim, não é possível que continue acreditando que a limpeza do que lhe cerca é a limpeza que lhe falta.
Enumera para si mesma todos os bens que advém desses pequenos feitos domésticos, assim também, exalta o tempo e o esforço economizados diante da casa limpa, cheirosa. Mas a sujeira conservada no rejunte, esquecida nas esquinas empoeiradas da sala, essa sujeira nada tem a ver com aquela presa, estocada no fundo de sua alma. Achar que seu redor é responsável pelo seu contínuo e incessante sentimento de podridão, não a levará a lugar algum. A casa, ao menos, a casa estará limpa. Pronta para receber as visitas que ela não convida.
Não existe lodo entre os azulejos e nem pingo de gordura no fogão, nem roupa acumulada para lavar. A casa estará pronta, se já não está, para se tornar um ambiente flex. Um desses lugares que combinam multi funções. Ora aconchegante para o descanso, ora descolado para conclusões de projetos interessantíssimos.
E entre uma tarefa e outra, entre o arroz cozinhando na panela, a roupa secando no varal, o lixo posto do lado de fora da casa, ela se torna inquieta. Não seria estranho se ela estiver agora tentando de algumas formas calar os monstros que habitam sua mente. Sua inquietação os alimenta de uma força tão grande. Ela conhece o estrago. O descompasso entre seu corpo jovem, febril e sua mente frágil. Nem tenta mais deter o impulso que a leva entregar o alimento. Simplesmente, naturaliza, como mais uma de tantas tarefas que se presta a realizar.
           Uma ou outra coisa, ela aprendeu. A culpa de abrir os portões do inferno, a faz queimar dez mil vezes mais que alimentar os monstros. Secretamente, já pensou que manter, de certa forma, uma espécie de relação com eles, de alguma forma, amigável, a traria para um presente menos amargo. Quem sabe até, a um futuro mais doce. Entre um pensamento e outro, secreto ou não, ela segue limpando. Ainda agora, descobriu uma recente teia de aranha no canto a cima da porta do quarto.

quinta-feira, 2 de junho de 2011


É preciso muito menos do que se imagina para não ser vazio.