quinta-feira, 28 de julho de 2011

Fábula Moderna (parte 1)


Duas amigas conversam sobre a night do dia anterior.

-Ontem dei um beijo num sapo.

-Jura?! Vai me dizer  que ele virou príncipe depois?

-Não, virou girino mesmo.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Há coisas que vêm de lugares que desconhecemos



Eu sei que chegam. Elas pesam. Fincam seus pés no corpo. E quando mal percebemos, estamos nos arrastando. O peso é grande, descomunal, doloroso. Parasitas dos mais espertos, não sentimos suas garras e nem suas raízes roubando nosso ar. Não são sorrateiros, nem chegam mansos. Simplesmente chegam. Invadem. Instalam-se. Nós carregamos e os protegemos. Nem sentimos o momento em que nos tornamos porta vozes, deixando exalar o mal pretendido. É como veneno sentido emergindo de nossas veias, bombardeando cada célula de nossos corpos. Veneno poderoso que nos eleva, nos impulsiona, nos faz forte. Forte o suficiente para fazer o tombo previsível, o mais doloroso possível.
E do tombo, não se levanta.

Uma grande batalha é travada. Lutamos contra esta inexplicável e aparente derrota. Outro tombo. E a luta não cessa. Quanto mais tentamos, quanto maior o esforço para ficarmos de pé novamente, mais distante, o céu. É aí, então, que essas coisas nos vencem de verdade. Elas não se alimentam de nossa soberba, assim, muitos pensavam. Elas se instalam porque somos demasiadamente absortos, ou, ridiculamente ingênuos. Concretudes estas que nos alienam para o perigo eminente. Mas elas permanecem, fincam suas garras e fazem brotar suas raízes, pois se alimentam de vontade. Tão obstinados em vencer a luta que ficamos cegos para a única verdade desta guerra. Ela coroa um único vencedor. Não somos nós.
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Humilhados, derrotados, abandonados a um destino amargo e sombrio, ficamos prostrados. Não nos resta nada, a não ser esperar pelo golpe final.
E a espera é angustiante. Dia a após dia, a vida se esvazia. E junto dela, tudo o que nos pertence. Tudo que conhecemos, que entendemos como sendo nós mesmos se foi. Fumaça que desaparece no ar. Neblina. O tempo não importa; semanas, meses, anos. No fim, eles vencerão.
Primeiro arrancaram a nossa ambição. Todos os desejos terrenos se foram e nem nos demos conta. Porque logo em seguida, foram os sonhos. Os nossos bens mais preciosos nos escaparam num piscar de olhos, numa eternidade dilacerante. É um passo para vermos a nossa dignidade se for. A coragem adormecida em coma. A generosidade, palavra qualquer, desprovida de sentido algum. Ainda somos humanos?

Não somos nada. Um amontoado de células capazes de realizar uma série de funções químicas. E o peso aumenta. Não vivemos, sentimos doer. Cada osso, cada músculo, estirado, rompido. Cada parte do corpo em absoluta e visceral forma de dor. Dor que cega, que cala, que adormece todos os sentidos. Já não pensávamos, já não sonhávamos, já havíamos perdido a capacidade de sentir a vida, seu esplendor, sua beleza. Agora a moléstia atinge o corpo. Estamos aniquilados. O fim deve estar próximo. Ou será delírio?

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Uma faísca acende.
Será ponta de esperança? Calor capaz de gerar energia necessária para que levantemos do chão?
Faísca apaga.
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Sou cinza. Enterrem minhas armas!

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O fim chegou. Não há matéria. Não há corpo, células, tecidos, órgãos.
O ser se foi; mente e corpo. Homem de morte bem morrida, lenta, dolorosa, angustiante. A morte leva tudo, exceto a alma. Os parasitas agora habitam outro corpo são. Entregaram os restos do homem a outras Coisas. E agora, o homem morto, pergunta: onde estão minhas armas? É preciso que se enterrem os guerreiros junto as suas armas. Sinal de má sorte não fazê-lo. Mas os entes queridos não se importavam. Não fora somente o homem que definhara até a morte. Muito antes, morrera o respeito que tinham por ele. Armas espalhadas. Os que derrubaram a última pá de terra já se foram.

Os seres indescritíveis que habitam o além atormentam a alma dos vencidos.
A eternidade, ora, ela é eterna. Assim como também é o tormento, a angústia, o desespero dos derrotados. Só resta aguardar o tempo que não passa.

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Faísca acende.
Uma pequena ponta de calor dentro daquela alma amargurada. Não há esperança. Somente uma melancolia perversa envolve o que restou daquele homem. As Coisas que habitam o além gostam de brincar com as almas vencidas. Acendem e apagam faíscas de calor. Fingem brotar uma certa dose aconchegante de humanidade naqueles que já não são mais humanos. Brincadeira maldita. Tormento.  
De tempos em tempos, as Coisas perdem o controle exato da duração que o calor deve ter. Ao primeiro sinal de chama, logo o erro é drasticamente reparado. Uma espécie de inverno rigoroso brota de dentro daqueles outrora premiados por uma breve onda de calor. O gelo se espalha. Um frio horripilante toma conta do que restou. A alma do guerreiro sentiu a chama. E sentiu o frio que se seguiu.

Faísca permanece acesa.
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De tempos em tempos, algumas almas resistem. De alguma forma, elas resistem. Uma pequena faísca permanece acesa, mesmo submersa a puro gelo.
Esperança. Há muito tempo ele não sabia o que isso significava. Desde quando era homem, já não sabia o que isso significava. Assim veio o medo. O medo de que o calor fosse embora para nunca mais retornar. Algumas almas ficam tão apavoradas com essa possibilidade que negociam com as suas guardiãs. Nunca gelo. Nunca chama. Somente uma pontada de calor. De tempos em tempos, uma breve brisa quente. Nunca chama. Nunca gelo.
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Certas almas, mesmo apavoradas, não negociam. Aguardam. Escondem aquela pequena faísca. Não deixam as Coisas saberem que dentro delas, há esperança. Coragem. Um guerreiro é sempre guerreiro. Se antes sua maior habilidade era o uso destemido de sua força; agora, sua maior virtude, será a paciência. Para que a chama não apague, o guerreiro terá que aguardar que as Coisas se ocupem de outros atormentados. O entusiasmo infantil que o atingiu não pode ser mais forte que a vontade de driblar suas guardiãs. Temperança. É preciso reunir forças.

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O Retorno

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Escapar da condição eterna de alma atormentada, ressentida, é tarefa ingrata. Angústia. Pavor. Tormento. Raiva. Desespero. Desilusão. Dor. Para que retorne ao mundo dos homens é preciso que ele renasça. Deixar o rancor que o prende àquele lugar se diluir. O gelo derrete. O fogo aumenta. A alma do guerreiro é toda calor. A pequena chama maldosamente cedida se transformou numa grande fonte de energia. O homem, derrotado pelos parasitas, entregue aos cuidados perversos das Coisas que habitam o além, finalmente retorna ao mundo dos seus.
Ele não é o mesmo que era antes. Agora ele tem marcas. Elas estão espalhadas pelo corpo e pela alma.
Uma nova jornada se inicia para um novo velho homem.
Nem muito ingênuo, nem muito arrogante, nem muito tempestuoso, nem muito paciente, nem muito esperto, nem muito entretido.

As marcas irão lembrá-lo.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Depois dos Vinte e Cinco

Não conheço pessoa mais engraçada que a minha mãe. Só que o engraçado dela é diferente daquilo que costumeiramente é dito cômico. Ela não é o tipo que faz graça pela graça, muito menos o tipo que conta piada. Meus Deus! Acho que se existisse sua versão stand up comedy, não ia ter pra ninguém. Faria loucuras com um microfone na mão. Os caras do CQC pediriam pra sair, aposentadoria precoce, coisa certa. Ainda bem pra eles, claro, que mummy não sobe ao palco, e, deixe para ser engraçada de bobeira, só para os mais íntimos.
Também não é uma coisa, assim, combinada com hora e lugar. Acontece quando menos se espera. Pode ser até naquelas horas que mal cabem no tempo. Estamos morrendo de pressa, correndo para conseguir terminar os intermináveis compromissos do dia, e aí, simplesmente, ela faz ou fala algo genial. Embora talvez ache que seja a forma dela enxergar o que lhe cerca, que é única, só dela, que torne a vida de quem está por perto mais divertida.
De um jeito ou do outro, geralmente, o ato vem acompanhado das mais variadas expressões faciais. Muitas vezes, trata-se de uma leitura irônica do momento presente. Pode ser também a moral um tanto torta de um drama vivido por uma de nós, suas filhas. Não existe regra. Se acho que é um dom? Não sei, talvez seja. É muito despretensioso. E com certeza, muito contagiante.  
A expressão “chorar de tanto rir” me é familiar desde pequenininha. Não me lembro de ter visto muitos fulanos chorando de rir na vida. Mas a minha mãe, ela, eu vi incontáveis vezes. E não tem coisa mais gostosa e engraçada do que vê-la lavando o rosto de lágrimas de tanto riso. Corrijo, não tem nada mais gostoso do que a reunião das mulheres da família, rindo, chorando de rir e fazendo as outras rirem e chorarem de rir.
Sou a caçula de três. Quando era menor, me sentia um pouco deslocada. Sou a única que não tem essa deliciosa capacidade de cair em prantos rindo. Já minhas irmãs e minha mãe, elas não choram tristeza a quantidade de choro feliz. Nem os olhos ficam inchados de dor como ficam de alegria. Se isso não for divino, não sei mais o que é.
Existe uma lenda que diz que o humor das mulheres só fica bom mesmo depois que elas ultrapassam uma certa faixa etária. Parece que depois dos 25, como num passe de mágica, as moças deixam de ser desnecessariamente marrentas, e tornam-se mais leves. Não faz muito tempo que eu ultrapassei a marca. E pelo andar da carruagem, estou começando a acreditar na historinha. Se um dia vou chorar de rir, rolar no chão, molhar a saia, inundar o ambiente com minhas lágrimas, isso ainda é um mistério. Mas se eu passar dos 50 e ter com as minhas filhas momentos tão divertidos como os que tenho com a minha família, me darei por satisfeita. Muitíssimo satisfeita!