sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Mangueira do Tempo



Sentado ao pé de uma mangueira, aproveitando a sombra no meio da tarde, seu Benedito conversa com o vento: “Eu hoje sou quem a vida me tornou. E ela que é muito esperta vai me moldando com a substância daquilo que fui. Quando eu olho para trás, não vejo passado. Vejo lembranças. Filamentos que já não são mais os mesmos.” Ele vai recostando o corpo no tronco. Os olhos parecem pesados, luta para que as pálpebras não se fechem. O esqueleto que é todo gasto procura mais conforto. De súbito, seu Benedito arregala bem os olhos, mais vivo do que nunca, prossegue: “O binóculo sempre reflete o espírito exaltado do presente. O futuro é danado, só existe mesmo no sossego. Senão bota as dores de antes noutras circunstâncias.” Como quem vai adentrando nos próprios pensamentos, aquele senhor de corpo frágil parece se perder no instante. E novamente, desperta do sono não dormido, enche o pulmão de ar e diz ao vento: “Então, eu miro bem pro passado, eu encaro o antigo. Mas para não correr perigo, eu escolho o momento. Só me atrevo, só me arrisco, quando meu peito transborda contento.” Ele olha para o lado e balança a cabeça como quem concorda com o que acabara de ouvir. “É, meu amigo, só assim não fico preso nas armadilhas dos fantasmas.”  

Um comentário:

  1. Ai... Violetinha... Assim, eu transbordo. Ainda mais após balançar embaixo das mangueiras da Chapada vermelha da seca e pintada de ipês amarelos, brancos e roxos...

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